quinta-feira, 26 de março de 2015

Homenagem ao Poeta Herberto Helder

A Candidatura do Partido acaba de realizar uma homenagem ao grande poeta Herberto Helder, natural do Funchal e recentemente falecido.
Numa singela iniciativa junto ao prédio onde nasceu o Poeta – na Rua da Carreira, nº 284, na cidade do Funchal -, o camarada Garcia Pereira evocou essa grande figura da literatura e um dos maiores poetas portugueses, proferindo as seguintes palavras:

Nasceu aqui, no n.º 284 da Rua da Carreira, na cidade do Funchal, na ilha da Madeira, a 23 de Novembro de 1930.
   
   
Quando nasceu, chamava-se Luís Bernardes de Oliveira.
       

Morreu também num dia 23, mas de Março de 2015, com oitenta e quatro anos, de repente e sem aviso prévio, como é próprio dos poetas, na sua casa em Cascais.
      Quando morreu chamava-se Herberto Helder, e era apenas um dos maiores poetas portugueses de todos os tempos e de todas as literaturas.
        

Foi um homem de sete ofícios, depois de frequentar em Coimbra as licenciaturas de Direito e de Filologia Românica, que não quis completar, mas foi de tudo um pouco: operário, meteorologista, publicitário, agente de propaganda médica, condutor de marinheiros para casas de prostituição em Amesterdão, jornalista, encarregado das bibliotecas ambulantes da Gulbenkian, ajudante de cozinha, repórter de guerra.
      Mas no fundo, um homem de um só ofício – o ofício cantante – aliás título de um dos seus mais inesperados livros de poesia.
     

Nós vimos aqui homenageá-lo, porque, não tendo sido ele nem fadista nem jogador de futebol, estar-lhe-á vedada a entrada no Panteão Nacional, assim como o luto do país, oficialmente decretado, decerto reservado para as mortes de primeiros-ministros e presidentes da república, ignorantes e incultos, mas muito conhecidos em Massamá e em Boliqueime…
        

À Madeira pode faltar e falta mesmo muitas coisas em tempos de austeridade, desemprego, fome e miséria. Mas não faltam poetas da mais alta estirpe, nem poesia da mais deslumbrante beleza.
      

Façam o favor de ler Herberto Helder e outros que há mais ou menos tempo também nos deixaram, como Álvares da Nóbrega, António Aragão, Cabral do Nascimento, entre outros. Mas também os ainda felizmente vivos, como Irene Lucília, José Agostinho Baptista, Vial Moutinho ou José Tolentino de Mendonça, entre muitos e muitos outros.

A finalizar, Garcia Pereira leu ainda o seguinte poema:

BICICLETA

Lá vai a bicicleta do poeta em direcção
ao símbolo, por um dia de verão
exemplar. De pulmões às costas e bico
no ar, o poeta pernalta dá à pata
nos pedais. Uma grande memória, os sinais
dos dias sobrenaturais e a história
secreta da bicicleta. O símbolo é simples.
Os êmbolos do coração ao ritmo dos pedais —
lá vai o poeta em direcção aos seus
sinais. Dá à pata
como os outros animais.

O sol é branco, as flores legítimas, o amor
confuso. A vida é para sempre tenebrosa.
Entre as rimas e o suor, aparece e des
aparece uma rosa. No dia de verão,
violenta, a fantasia esquece. Entre
o nascimento e a morte, o movimento da rosa floresce
sabiamente. E a bicicleta ultrapassa
o milagre. O poeta aperta o volante e derrapa
no instante da graça.

De pulmões às costas, a vida é para sempre
tenebrosa. A pata do poeta
mal ousa agora pedalar. No meio do ar
distrai-se a flor perdida. A vida é curta.
Puta de vida subdesenvolvida.
O bico do poeta corre os pontos cardeais.
O sol é branco, o campo plano, a morte
certa. Não há sombra de sinais.
E o poeta dá à pata como os outros animais.

Se a noite cai agora sobre a rosa passada,
e o dia de verão se recolhe
ao seu nada, e a única direcção é a própria noite
achada? De pulmões às costas, a vida
é tenebrosa. Morte é transfiguração,
pela imagem de uma rosa. E o poeta pernalta
de rosa interior dá à pata nos pedais
da confusão do amor.
Pela noite secreta dos caminhos iguais,
o poeta dá à pata como os outros animais.

Se o sul é para trás e o norte é para o lado,
é para sempre a morte.
Agarrado ao volante e pulmões às costas
como um pneu furado,
o poeta pedala o coração transfigurado.
Na memória mais antiga a direcção da morte
é a mesma do amor. E o poeta,
afinal mais mortal do que os outros animais,
dá à pata nos pedais para um verão interior.




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